sábado, 8 de novembro de 2014

Da alteridade



Houve um certo dia, alguns anos atrás, em que eu decidi prescindir da Literatura em favor da Linguística porque me parecia esta mais perto das pessoas e aquela, de certa forma, elitista e afastada do presente e do real. Decidi isto em pleno coração de África, em Makamba (uma pequena aldeia rural no interior do Burundi), quando alguém, que pela sua nacionalidade e conhecimento histórico deveria compreender bem o conceito de alteridade e diversidade, se riu de mim por eu querer aprender kirundi e não swahili, ou outra língua mais franca e de maior peso ou expressão. Não respondi, como nunca respondo, com medo de me precipitar ou ferir susceptibilidades (que isto das relações pessoais é assunto muito delicado, e eu prefiro sempre manter o diálogo aberto em vez de ter a razão) e fui para casa a pensar.
Naquela altura - e também é assim hoje -, pareceu-me que a experiência de iniciar um contacto, ainda que com um vocabulário limitado e com regras aprendidas de forma rudimentar, com alguém desconhecido na sua língua materna é um acontecimento absolutamente extraordinário. Estamos a dizer: "Eu estou a tentar ser teu amigo e este meu desejo de te tocar, de chegar a ti é tão maior e imenso que, não importa as dificuldades que eu tenha de ultrapassar, não vou desistir. Quero conhecer-te no teu mundo". É isto, eu acho, que dizemos quando fazemos um esforço por falar uma língua minoritária. Estamos a dizer que renunciamos ao artificial e forasteiro uso de uma língua franca ou interlíngua, por maiores que sejam as dificuldades, para chegar ao outro, para conhecê-lo na dimensão do seu próprio espaço, no à-vontade e familiaridade da sua língua materna, seja ela qual for. "Gosto tanto de ti que ultrapasso todas as barreiras para poder estar mais perto".
É isto penso que quero dizer quando conheço alguém, principalmente num lugar estranho ao meu.
Por que razão, estando nós cada vez mais perto do outro, nos sentimos e o sentimos cada vez mais longe?